quarta-feira, 4 de abril de 2012

RECORDAR UM PASSADO DISTANTE MAS SEMPRE PRESENTE

O REGRESSO DE MOÇAMBIQUE ACONTECEU HÁ 44 ANOS. 23 DE MARÇO DE 1970!
  Ter que recuar no tempo e concentrar-me em acontecimentos vividos há 42/44 anos  constitui efectivamente uma situação de grande sufoco emocional. Recordar escrevendo não é a mesma coisa que se essa recordação fosse vivida em grupo, ou seja, cada um de nós contasse as suas histórias, mesmo dramáticas que fossem, mas não se interioriza tanto como sucede neste momento comigo, que falo para o computador e este recebe tudo o que digo, sem retorquir ou contestar, é por assim dizer um diálogo surdo/mudo, doloroso, obviamente, porque não consigo abstrair-me das realidades vividas, algumas amargas e poucas de grande exaltação ou satisfação.
Á medida que vou carregando nas teclas o meu pensamento está a esvoaçar para outros acontecimentos e naturalmente assaltam-me à ideia “milhentas” coisas que naquele território todos nós vivemos. Vem-me ao pensamento nomes, acontecimentos, figuras e tudo isto se mistura com outras ideias, como sejam por exemplo, o que estarão os meus camaradas de armas que comigo estiveram naquele território neste momento a fazer? Como vivem? Serão felizes nas suas vidas privadas e familiares? Depois também me interrogo, mas porquê estes pensamentos se eu só conheci aqueles indivíduos na tropa? Não se trata de egoísmo, cinismo ou mistificação e encontro a resposta também de seguida, porque na minha cabeça fervilham ideias, interrogações e também muitas convicções, como sejam o facto de haver justificação em todos nós para que haja - e penso que este sentimento é apanágio de todos nós - fraternidade entre todos.  Conviver durante cerca de três anos, por vezes de forma dramática, trouxe a todos nós um espírito de convivência familiar que apertou de forma muito singular os laços de amizade, que hoje e a esta distância já longínqua ainda existe. Não é fácil esquecer aqueles que connosco conviveram e que já partiram, mesmo depois de terem regressado ao burgo; os outros os que ficaram por lá também continuam no pensamento de todos nós que tivemos a felicidade de regressar ao seio das nossas famílias. Mas a vida é assim mesmo e com estes traumas e dramas vamos todos que viver até ao fim das nossas vidas. O importante é que nunca, os que cá continuam, esqueçam aqueles que fizeram parte da nossa comunidade, daquela que foi a nossa família durante
largos meses. Houve sentimento, houve preocupação, houve fraternidade. Todos nós vivíamos momentos de grande tensão quando um pelotão regressava do mato e corríamos para a “parada” para saber notícias acerca do que tinha acontecido e ficávamos felizes quando nada de especial tinha sucedido, isto é, quando todos os nossos familiares (esta é a expressão ideal) continuavam a fazer parte daqueles 166 membros, o número daquela comunidade da CART 2326. Não é preciso ter uma sensibilidade muito apurada para perceber isto, basta que se perceba que estávamos numa guerra, que qualquer coisa de dramático em qualquer altura ou momento podia acontecer. Éramos todos jovens, tínhamos uma vida pela frente para ser vivida. Alguns percebiam que não tínhamos nada a ver com aquilo para que nos “empurraram”, outros, tinham um sentimento pátrio mais exacerbado por uma questão cultural, por uma questão de obscurantismo, mas era exactamente neste caldear de sentimentos ou de pensamentos que residia a nossa grande unidade em torno de uma questão central que era o regresso à Pátria com vida e com saúde. Esse era efectivamente o maior desejo, o grande desígnio de todos nós.

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