quinta-feira, 26 de agosto de 2010

UMA QUESTÃO AINDA NÃO DEVIDAMENTE ENTENDIDA POR ALGUNS

A COMPANHIA DE ARTILHARIA 2326 NAS MATAS DO NIASSA
(A MINHA COMPANHIA)
´Há aqui uns dias, antes de ir para férias, quando tomava a habitual bica diária, assistia, sem nela intervir, a uma discussão sobre a descolonização. Um dos individuos, rapaz aí para os 30/35 anos, com alguma intensidade ou se quisermos raiva, dizia que tinhamos abandonado as Provincias Ultramarinas. Este homem tinha vindo de Moçambique.
Podia efectivamente ter intervido porque as pessoas envolvidas na referida conversa fazem parte daquele ciclo que habitualmente ali se encontra diàriamente e no qual eu de certa forma me integro, não com assiduidade, mas acontece por vezes.
Para quem assistiu como eu, quando tinha 16 anos ao discurso de Salazar na televisão anunciar que iriamos defender o nosso território, na minha inocência e preparado como estava, achava muito bem. Eu próprio tinha orgulho quando chegasse à minha altura servir o País através das armas o que faria com todo o empenho não olhando a perigos. Estava em causa a soberania nacional. Este era o sentimento generalizado de um povo que sofria de uma máquina de propaganda bem oleada e que os menos preparados interiorizavam com todas as suas forças e energias. Poucos, muito poucos tinham a noção que a questão Ultramarina colocava muitos entraves ao desenvolvimento do País que propositadamente sofria de um analfabetismo delirante que o tornava amorfo e consequentemente tolerante face à situação de isolamento que viviamos em relação ao resto do Mundo.
Para quem viveu a guerra como eu, convivendo diariamente com 166 homens, uma massa humana bastante heterogénea, de diversos pontos do País, foi-me dando uma perspectiva diferente da sociedade e daquela guerra em que estavamos envolvidos, alterando os conceitos e preconceitos que residiam no meu pensamento e no enquadramento que eu fazia da situação. A tropa transmitiu-me uma ideia mais exacta do País em que vivia. Era notória a diferença de região para região. Era confrangedor ver rapazes da minha idade com a 4ª classe que não sabiam ler nem escrever, todavia, o que nos era "vendido" internamento é que eramos um País maravilhoso, reconhecidos internacionalmente como um País de gente humilde, civilizada, de bons costumes, enfim ...
Portugal para aderir à ONU, em 1955, teve que fazer uma alteração na Constituição de 1933, em 1951, designando o território colonial que se ncontrava sobre a administração portuguesa como provincias, equiparando Angola e as outras Colónias ao Algarve, Alentejo, Beiras e Minho.
As recomendações que vinham da ONU para que Portugal iniciasse o processo de autodeterminação não surtiam qualquer efeito, foi o período do "orgulhosamente sós" , que só viria terminar com a Revolução do 25 de Abril, que poria fim às guerras que em África decorriam, iniciando-se assim a descolonização.
Eu que estive numa dessas guerras, Moçambique, apercebi-me que era uma questão de tempo o fim das mesmas, mas de consequências imprevisiveis.
Manter aquelas guerras, um País pequeno, com cerca de 9 milhões de habitantes e permanentemente 1oo mil homens a combater, sobretudo em três frentes, era utopia, era um suicidio, a questão colonial. Só a caturrice de um sistema já caduco e ultrapadissimo não compreendia que era insustentável uma guerra que ceifava todos os dias vidas a gente jovem e que nos causava atrasos de ordem social e económica relativamente aos outros países da Europa.
A Nação, as famílias, jã não aceitavam estas guerras que destruiam familias e causavam miséria. Lembro-me ainda em Moçambique, em 1969, ter lido na Revista Militar da Academia, que havia apenas uma inscrição para aquele ano lectivo. Quer isto dizer que a Formação de Oficiais do Quadro estava em decadência absoluta. As Companhias de Artilharia e de Cavalaria, já eram comandadas por Oficiais Milicianos, que após terem feito uma Comissão como Alferes, com vida já estabilizada, nalguns casos até com filhos, eram novamente chamados e com Cursos "mata-cavalos" obtinham a graduação de Capitão e vai, vai para a frente de uma Companhia combater... Ora isto, era impossível continuar.
Passados trinta e seis anos sou obrigado a ouvir coisas de gente que não pensa, ou melhor, não tem massa encefálica. É evidente que num processo destes houve situações que correram menos bem, mas porque a resolução passava, como os médicos costumam dizer para as doenças complicadas, a prevenção é fundamental, quando a doença está num estado adiantado a cura torna-se mais dificil. Nem mais nem menos. Foi o que aconteceu.

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